Artigo de Scott
Hubbard
Editor-chefe,
Desiring God Melhor Ter um Fardo | Desiring God
Certa vez, o
jovem Jacob corria, ágil, para onde lhe apetecia. Mais tarde, passou a coxear.
Certa vez, David
liderou os exércitos de Israel sem rival. Mais tarde, fugiu pelo deserto,
rodeado de inimigos.
Certa vez, Paulo
viajou e pregou sem espinhos. Mais tarde, orou, atormentado e vergado, por uma
misericórdia que não viria.
Muitos de nós
também nos podemos lembrar de uma época em que a vida e o ministério pareciam
mais fáceis. Nessa altura, éramos mais produtivos, menos impedidos. O nosso
corpo não nos incomodava tanto. Enfrentávamos menos críticas. Um relacionamento
ainda não se tinha rompido. Mas hoje movemo-nos mais devagar, com as costas
mais curvadas. Mancando. Cercados. Com espinhos.
Como é tentador
imaginar o quão frutíferos poderíamos ser sem tais fardos. Não seríamos
melhores pais, líderes, trabalhadores, cristãos se pudéssemos correr mais
depressa? Não faríamos mais bem ao reino de Deus?
Talvez Jacob,
David e Paulo também se perguntassem isso. Deficiências, lanças e espinhos
podem perturbar a eficiência e arruinar planos. Com o tempo, porém, a sabedoria
de Deus tornou-se evidente. A deficiência de Jacob levou-o a aproximar-se do
seu Senhor (Génesis 32:31), os inimigos de David fizeram de Deus a sua
fortaleza (Salmo 27:1), e o espinho de Paulo trouxe uma palavra muito mais doce
do que a força: “A minha graça te basta” (2 Coríntios 12:9).
As suas histórias
testemunham os surpreendentes caminhos da misericórdia de Deus. Como pregou um
dia Charles Spurgeon: “É bom não ter problemas; mas é melhor ter problemas e
saber como obter graça suficiente para os suportar”.
Dias sem
problemas
Reparem bem na
primeira parte do conselho de Spurgeon: realmente é bom não ter problemas.
Dias tranquilos
são ecos do nosso passado edénico e sussurros de um futuro melhor. São um oásis
no deserto, uma estalagem para peregrinos cansados. Em dias tranquilos, Jesus
diz-nos: “Vinde comigo para um lugar deserto e descansai um pouco” (Marcos
6:31). Vêm como pastos verdejantes e águas calmas, como sábados inesperados,
como uma visita à terra que mana leite e mel. São presentes embrulhados e
enviados pelo Pai das luzes (Tiago 1:17).
E, no entanto,
para pessoas como nós, muitos dias tranquilos podem trazer problemas. Jacob
mostrou-se autossuficiente e espiritualmente distante nos seus momentos de
maior conforto. Foi num terraço tranquilo, longe dos campos de batalha, que
David viu Betsabé e não desviou o olhar (2 Samuel 11:1-2). E se as visões
celestiais de Paulo tivessem vindo sem humildade, a arrogância poderia tê-lo
matado (2 Coríntios 12:7).
Suspeito que nos
possamos identificar com isso. Os dias tranquilos são uma dádiva; também são um
perigo. Sem grande cuidado, os dias mais pacíficos fazem com que a leitura da
Bíblia pareça menos urgente, a oração menos desesperada, o pecado menos perigoso,
Satanás menos ativo, Jesus menos precioso e a realidade espiritual menos, bem,
real. Em dias tranquilos, descuramos mais facilmente o nosso posto e
deambulamos, desprotegidos, até ao telhado.
Por vezes, então,
os maiores perigos para a alma não são os fardos, mas as bênçãos ininterruptas;
não as dores, mas os prazeres infinitos; não os problemas, mas a longa
tranquilidade; não o sofrimento, mas a segurança inabalável. Como é difícil
para os ricos entrarem no reino de Deus (Lucas 18:24) — como também é difícil
para os que não têm problemas.
Quando as
preocupações são muitas
Os problemas,
claro, não garantem profundidade espiritual. Se o diabo segura a prosperidade
na mão direita, segura a calamidade na esquerda. Daí a segunda parte do
conselho de Spurgeon: “É melhor ter um problema e saber como obter graça
suficiente para o suportar”. Sem graça, os fardos quebram-nos; com graça,
inclinam-nos para Deus.
“Sem graça, os
fardos quebram-nos; com graça, inclinam-nos para Deus.”
De onde obtemos,
então, a graça que não só torna os dias difíceis suportáveis, mas, de certa
forma, melhores? Deus tem muitos rios e ribeiros de graça, mas, de uma forma ou
de outra, todos eles fluem através da sua palavra. Aqui, nas palavras vivas do
Deus vivo, ele oferece graça para cada problema, alívio para cada fardo,
bálsamo para cada coração quebrantado. Portanto, foi uma palavra de bênção que
tanto aleijou como curou Jacob (Génesis 32:29), uma palavra de boas-vindas que
firmou e sustentou David (Salmo 27:8), uma palavra de promessa que fez o fraco
Paulo gloriar-se (2 Coríntios 12:9-10).
Tal como muitos
santos sobrecarregados, estes três homens descobriram o segredo de que Deus dá
os seus melhores tesouros àqueles que enfrentam maiores dificuldades. Grande
parte da Sua palavra nasceu da tribulação, escrita por profetas perseguidos,
salmistas que choravam e apóstolos presos. A Bíblia é um livro de lágrimas — e
também um livro do Deus que as enxuga. Muitas vezes, então, a tribulação abre a
porta ao mais profundo consolo do nosso Pai.
Certamente, para
mim, a palavra de Deus raramente brilha com tanta intensidade como quando
outras luzes se apagam. A crueldade alheia fez-me sentir a bondade de Deus no
Salmo 16, as trevas da dúvida iluminaram Isaías 50, a insónia aproximou-me do
Deus do Salmo 139 e a perda deu-me glória em Filipenses 4.
“Quando as
preocupações do meu coração se multiplicam”, escreve o salmista, “as tuas
consolações alegram a minha alma” (Salmo 94:19). O que pode ser melhor do que
as consolações do próprio Deus — a sua mão sobre o ombro, a sua voz que nos
encoraja, o seu braço que nos sustenta? E, no entanto, tais preciosas
consolações vêm apenas através de muitas preocupações. Muitos suspiros, muitos
gemidos, muitos pensamentos perturbados — eis os cálices nos quais Deus derrama
o consolo da sua palavra.
E, com o tempo,
tornam-se os cálices dos quais consolamos os outros.
Frutificação
Mais Profunda
Deus, então, está
disposto a dar fardos ao seu povo — até mesmo fardos que abrandam o nosso
ritmo, perturbam a nossa paz e parecem impedir a nossa frutificação. Poderíamos
concluir que Deus se preocupa menos com a frutificação do que nós; na verdade,
porém, ele preocupa-se muito mais. A sua ideia de frutificação vai simplesmente
mais fundo do que a nossa.
Com demasiada
frequência, receio, a minha própria ideia de frutificação é meramente uma
versão batizada de produtividade. Posso agir como se a eficácia no reino de
Deus se parecesse e se sentisse como a eficácia no reino dos homens: planos
previsíveis, execução tranquila, sucesso irrestrito. E tal eficácia, claro, não
tolera percalços, dificuldades e espinhos. Mas, na verdade, a produtividade
constitui apenas uma parte da verdadeira frutificação — e não a mais
importante.
Sem dificuldades,
por exemplo, Jacob nunca teria construído um altar “ao Deus que me responde no
dia da minha angústia” (Génesis 35:3). E David nunca teria aprendido a cantar:
“Ainda que um exército se acampe contra mim, o meu coração não temerá” (Salmo 27:3).
E Paulo não se teria gloriado “com mais alegria nas minhas fraquezas” (2
Coríntios 12:9). Louvor humilde, fé radical, alegria pesarosa em Jesus — eis
frutos que crescem apenas em árvores de dificuldades.
“Louvor humilde,
fé radical, alegria pesarosa em Jesus — eis frutos que crescem apenas em
árvores de dificuldades.”
“ E, muitas
vezes, são esses os frutos que melhor nos alimentam e alimentam os outros (2
Coríntios 1:3-4). Alguns dos melhores pais caminham coxeando. Alguns dos
melhores líderes pregam e servem com a alma atormentada. Alguns dos melhores
trabalhadores labutam com um espinho. E alguns dos melhores cristãos carregam
problemas consigo aonde quer que vão. O que nós precisamos desesperadamente, e
o que os outros precisam desesperadamente de nós, não é uma vida livre de
problemas, mas um amor por Jesus que vive e prospera em meio a eles.
Deus preocupa-se
profundamente com a nossa frutificação — tanto que Ele pode, por um tempo,
deixar-nos coxear, rodear-nos ou enviar-nos um espinho.
Bem-aventurados
os sobrecarregados.
Gostaria de
pensar que poderia chegar em segurança ao céu por um caminho tranquilo, direito
e amplo sob um céu brilhante. Gostaria de imaginar que permaneceria fiel a Deus
sem a vara de treino dos problemas. Por vezes, gostaria de reformular as
palavras de Paulo em Atos 14:22 para dizer: “É necessário que passemos por
muitos dias tranquilos para entrarmos no reino de Deus”.
Mas num mundo
como o nosso, e com corações como os nossos, alguns dos melhores presentes de
Deus vêm envoltos na caixa negra dos problemas. Nas Suas boas mãos, os
problemas são os apoios que nos inclinam para Jesus, os inimigos que nos
perseguem em direção a Deus, os espinhos que nos dão força do alto.
Sobrecarregam-nos, às vezes de forma quase insuportável. Mas também nos
inclinam para aquele cujo amor constante é melhor do que a vida (Salmo 63:3).
Por isso, por
muito bom que seja desfrutar de dias tranquilos, é melhor ter problemas e
caminhar com Deus no meio deles.
Scott Hubbard é
professor e editor-chefe da Desiring God, pastor da All Peoples Church e
licenciado pelo Bethlehem College and Seminary. Ele e a sua mulher, Bethany,
vivem com os seus três filhos em Minneapolis. Leia mais sobre Scott.
https://www.desiringgod.org/articles/better-to-have-a-burden


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