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Tuesday, October 4, 2016

Fé Racional

Elsa Sichrovsky
[A Rational Faith]
http://anchor.tfionline.com/pt/post/fe-racional/

Como um típico deslumbrado calouro da faculdade sentado na minha primeira aula de literatura ocidental, ouvi a minha professora favorita, Sra. Chang, ler a história de Abraão e Isaque. A singularidade da história do Gênesis, com a sua narrativa judaica tipicamente seca que registra histórias profundas como aquela sobre o Deus que dá o primeiro filho a um casal e manda o pai assassinar seu filho alguns anos mais tarde — e na hora H muda de ideia, tudo isso confundiu os outros calouros. Não era exatamente o que a maioria de nós imaginava quando pensava na linda palavra mitologia, a definição da minha professora a essas histórias. Um mito.

Ela olhou para cima tirando os olhos do pesado volume, sorriu com empatia para os alunos perplexos e disse: “É por isso que eu não sou cristã. O Deus da Bíblia hebraica não faz sentido para mim. A fé é irracional.”

“E, por favor”, ela continuou, “se houver cristãos nesta sala, não tentem discutir comigo. Estamos estudando literatura, não religião.” Tive que me esforçar para ficar quieto.

Segundo ela, a fé, a pedra angular da minha vida desde que aprendi a cantar “Jesus me ama” com entusiasmo infantil, era uma noção ridícula e bizarra demais para se dar o trabalho de tentar compreender. A fé o colocava em situações estranhamente difíceis com um Deus falível e errático que apenas o faz passar por experiências torturantes para Sua própria satisfação. Certamente não era coisa para estudantes brilhantes como ela pensava.

Não foi a primeira vez que ouvi um comentário como esse. Desde pequeno, a experiência em atividades de evangelismo pessoal me deixou acostumado a olhares incrédulos e gargalhadas daqueles que eu tentava convencer a aceitar a mensagem da salvação. Mas quando a pessoa que eu tanto admirava disse a mesma coisa, isso desencadeou uma série de perguntas na minha cabeça: Por que a fé é tão difícil de entender? Se é tão importante para a vida eterna e a felicidade presente, por que haveria de ser um conceito tão estranho e até repulsivo? Por que Deus não fez a Bíblia um pouco menos crítica e mais como os artigos de autoajuda na Internet que explicam todos os valores importantes de viver bem em três pontos principais, com resumos claros e destaques?

Pior ainda, suas palavras soaram desconfortavelmente verdadeiras segundo minha própria experiência espiritual. Os caminhos de Deus tantas vezes me pareceram além da razão e levaram a caminhos de luta e dolorosos. Às vezes, o propósito por trás da incerteza ficava claro, mas muitas outras vezes eu passava por uma provação com perguntas não respondidas. Tinha valido a pena me agarrar à uma fé que muitas pessoas dizem não fazer sentido e que na verdade acrescentava incerteza à minha vida?

De repente, para minha surpresa, uma citação que eu tinha lido no ensino médio no livro de Biologia me ocorreu:

“Se o cérebro fosse tão simples a ponto de conseguirmos entendê-lo, seríamos tão simplórios que não conseguiríamos.”[1]

O cérebro estava além da nossa compreensão não por ser um projeto mal feito que não valia a pena a nossa atenção; era simplesmente mais maravilhoso, mais espantosamente complexo do que a mente humana é capaz de analisar e processar. O fato dos humanos não conseguirem compreender o cérebro não foi razão para Watson desistir de Biologia e declarar a Ciência um monte de mentiras; pelo contrário, os mistérios não resolvidos da mente humana se tornaram ainda mais fascinante para ele, algo ao qual valia a pena dedicar a vida para descobrir seus segredos.

A calma aceitação de Lyall Watson da complexidade insolúvel do cérebro humano me fez pensar sobre os prós de se ter uma fé que não nem sempre se consegue explicar para a satisfação dos que não têm fé. Abraão conseguia confiar que Deus cumpriria Sua promessa de multiplicar a semente de Abraão porque conhecia e amava o Deus que estava por trás daquele comando ultrajante. Quando enfrento problemas no meu relacionamento com Deus e simplesmente não consigo aceitar a maneira que Ele parece estar guiando, a única coisa que me dá força para seguir em frente com o que estou sendo solicitado é o amor que nos une— amor a Deus e pela humanidade. O amor triunfa no que a razão e a lógica não conseguem sustentar. A partir desta perspectiva, a obediência por amor é a coisa certa a fazer, e portanto, a coisa racional.

Além disso, se eu pudesse encontrar uma maneira de explicar cada incidente na Bíblia e anexar documentos para provar cada uma das reivindicações espirituais do Cristianismo, não haveria razão para confiar na força de Deus e investir em conhecê-lO profundamente e envolvê-lO em todos os aspectos da minha vida. Eu teria todas as respostas e não haveria lugar para Deus. Não se trata de me contentar em tatear no escuro para sempre. Jesus tem as respostas, por isso as perguntas me fazem recorrer a Jesus em cada etapa da minha caminhada com Ele, buscando-O e ansiando pelo Seu espírito. Sempre que me deparo com algo para o qual não tenho uma resposta fácil, lembro-me da imperfeição inerente à minha existência humana e minha necessidade de salvação.

Passei a entender que poderia me agarrar à minha fé com uma confiança proveniente de Cristo porque a dificuldade de ter fé na verdade atesta o seu valor. Não há necessidade de fé se todos os aspectos de um sistema de valores é mecânico, simétrico e demonstrável por método científico. Tal sistema de valores certamente seria racional, mas limitado à racionalidade da finita mente humana. O Cristianismo não pretende ser capaz de apresentar aos crentes valores sucintos e doutrinas que se encaixam perfeitamente em ideias preconcebidas. Em vez disso, oferece entrada para um mundo além do que eu atualmente considero racional. Como o teólogo Peter Kreeft diz: “A fé só pode existir em um mundo onde ela é difícil.” Se a fé em Deus fosse facilitada e alterada para apelar aos cinco sentidos, não seria capaz de nos levar Àquele cujos caminhos são mais altos que os nossos caminhos.[2]

[1] Atribuído a Lyall Watson.

[2] Isaias 55:8: “Pois os meus pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem os seus caminhos são os meus caminhos”, declara o Senhor.

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